Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

Hoje gostaria de conversar com você sobre um tema que é frequentemente mal interpretado e cercado por equívocos: o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Este é um transtorno neurobiológico, caracterizado por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou no desenvolvimento global individual.

Em 1980, o TDAH foi pela primeira vez oficialmente classificado em subtipos pela American Psychiatric Association (APA), que, na terceira versão de seu Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-III, dividia o TDAH em dois subtipos: déficit de atenção com ou sem hiperatividade. Desde então, essa nova versão do DSM vem sofrendo ajustes a cada versão.

A classificação mais atual, divide o TDAH em três apresentações, conforme DSM-V:

  • Apresentação combinada (TDAH-C): quando o paciente apresenta seis ou mais sintomas de desatenção e de hiperatividade/impulsividade,
  • Apresentação predominantemente desatenta (TDAH-D): quando o paciente apresenta seis ou mais sintomas de desatenção e menos de seis de hiperatividade/impulsividade.
  • Apresentação predominantemente hiperativa/impulsiva (TDAH-H): quando o paciente apresenta seis ou mais sintomas de hiperatividade/impulsividade e menos de seis sintomas de desatenção.

 

Segundo estudos que medem a prevalência dos subtipos de TDAH sugerem que o TDAH-C é o mais prevalente, seguido pelo TDAH-D. O tipo TDAH-C é o mais comum em meninos e adultos, e o TDAH-D é o mais comum em meninas.

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A pesquisa cientifica tem avançado no sentido de mostrar que os comprometimentos para indivíduos acometidos pelo TDAH estão, em geral, associados aos níveis de desatenção ou de hiperatividade/impulsividade. Por exemplo, que altos níveis de desatenção estão associados a maiores chances de se desenvolver depressão e transtorno específico da aprendizagem, o que, portanto, pode afetar pessoas tanto com o TDAH-D quanto com o TDAH-C.

A desatenção está também mais associada a prejuízos acadêmicos e pior desempenho em quase todos os parâmetros da avaliação neuropsicológica (habilidades cognitivas gerais, memória operacional, velocidade de processamento, vigilância).  Há um desempenho sutilmente inferior no TDAH-C em avaliação de inibição de resposta e alternância de respostas. Indivíduos com altos níveis de hiperatividade/impulsividade (TDAH-C e TDAH-H) têm maior chance de desenvolver doenças externalizantes e tiques.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é caracterizado por uma série de sintomas, que são comumente agrupados em duas categorias principais: sintomas de desatenção e sintomas de hiperatividade-impulsividade. Aqui estão os sintomas conhecidos do TDAH, conforme descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5).

Sintomas de Desatenção:

  • Muitas vezes falha em dar atenção cuidadosa aos detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras.
  • Com frequência tem dificuldade em manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas.
  • Muitas vezes parece não escutar quando lhe dirigem a palavra diretamente.
  • Frequentemente não segue instruções e não completa tarefas escolares, encargos domésticos ou deveres no local de trabalho.
  • Tem dificuldade em organizar tarefas e atividades.
  • Muitas vezes evita, demonstra desagrado ou reluta em envolver-se em tarefas que exigem esforço mental prolongado.
  • Frequentemente perde objetos necessários para tarefas ou atividades (por exemplo, chaves, documentos, óculos, celular).
  • É facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa.
  • Muitas vezes esquece as atividades cotidianas (por exemplo, compromissos, tarefas domésticas).

 

Sintomas de Hiperatividade-Impulsividade:

  • Frequentemente mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira.
  • Muitas vezes levanta-se em situações em que se espera que fique sentado.
  • Comumente corre ou escala em situações em que isso é inapropriado (nos adolescentes ou adultos, pode estar limitado a sentimentos de inquietação).
  • Não consegue brincar ou se envolver em atividades de lazer de maneira tranquila.
  • Está frequentemente “a mil” ou muitas vezes age como se “estivesse com um motor”.
  • Fala em excesso.
  • Dá respostas precipitadas antes das perguntas terem sido completadas.
    Tem dificuldade em esperar sua vez.
  • Interrompe ou se intromete em assuntos dos outros (por exemplo, intromete-se em conversas, jogos ou atividades; pode começar a usar as coisas dos outros sem pedir ou receber permissão).

É importante observar que para um diagnóstico de TDAH, esses sintomas devem causar prejuízo significativo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional do indivíduo e estar presentes em mais de um ambiente (por exemplo, na escola/trabalho e em casa).

Além disso, devem ter estado presentes antes dos 12 anos de idade, e não serem explicados melhor por outra condição mental. O TDAH inicia-se na infância e seus sintomas persistem em mais de 50% dos casos na idade adulta.

Escala para Avaliação em Crianças

O processo para avaliação e diagnóstico do TDAH é clínico. O profissional deverá identificar queixas relacionadas a atenção, hiperatividade e ou impulsividade, considerando a evolução, os prejuízos funcionais, além de outas condições clínicas que possam explicar sintomatologia apresentada.

A abordagem multiprofissional pode trazer ganhos para o processo de diagnóstico e conduta do caso. No entanto, uso de exames complementares deve ser considerados caso a caso para responder as questões especificas de diagnostico diferencial e à identificação de comorbidade apresentadas pelo paciente.

No processo de avaliação clínica, além das entrevistas estruturadas e semiestruturadas, as escalas de rastreamento de sintomas do TDAH são particularmente úteis. As escalas permitem aos profissionais quantificar e comparar grupos de sintomas em relação a uma norma populacional, dando uma visão ampla e objetiva dos sintomas de um indivíduo.

Existem diversas escalas de rastreamento de TDAH disponíveis para uso clínico e em pesquisa, são elas:

SNAP-IV: (Swanson, Nolan, ande Pelham Questionnaire IV): é uma escala infantil direcionada para crianças com sintomas de TDAH, foi construído a partir dos sintomas elencados no Manual de Diagnóstico e estatística (DSM 5). O questionário SNAP-IV, resultante da quarta versão do DSM (DSM-IV), possui uma tradução brasileira, validada pelo Grupo de estudos do Déficit de Atenção (GEDA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pelo Serviço de Pesquisa e Psiquiatria da infância e Adolescência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O SNAP-IV é composto pela descrição de 18 sintomas do TDAH, entre sintomas de desatenção (9 primeiros itens) e hiperatividade/impulsividade (itens 10 a 18), os quais devem ser pontuados por pais e/ou professores, em uma escala de quatro níveis de gravidade. Os autores da SNAP-IV indicam que os itens 19 a 26 do questionário também são úteis ao diagnóstico do Transtorno de Oposição e Desafio (TOD).

Escala de TDAH para professores (ETDAH):  tem por objetivo identificar a manifestação dos sintomas do TDAH no contexto escolar, tendo o professor como fonte de informação; avaliar e intensificar possíveis prejuízos existentes relacionados às áreas da atenção, hiperatividade/impulsividade, funcionamento acadêmico (desempenho escolar e dificuldades das habilidades escolares) e o funcionamento social (relacionamentos interpessoais e competência social).

A versão atual (ETDAH-II) da escala consiste em 49 itens que avaliam por meios dos relatos do professor a amplitude de sintomas mais comuns em crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, em que há suspeita de TDAH.

Escala de avaliação do comportamento infantil para o professor (EACI-P): é um instrumento individual de preenchimento pelo professor, que fornece uma estimativa do funcionamento da criança na escola em relação a cinco dimensões diferentes de comportamentos, sendo aplicadas para crianças de 4 a 14 anos. Os 62 itens da escala visam estabelecer como critérios de comparação outros alunos da mesma turma.

Child Behavior Checklist (CBCL): O CBCL: é parte de um sistema de avaliações desenvolvido por Achenbach e Rescorla (2001) (Grupo ASEBA) que avalia os comportamentos infantis por faixa etária. A versão para crianças e adolescentes de 6 a 18 anos é composta por 138 sentenças, nas quais 118 referem-se a problemas de comportamento e 20, à competência social. Esta escala é composta por 20 itens que incluem atividades da criança, como brincadeiras, jogos e tarefa; participação em grupos; relacionamento com familiares e amigos; independência para brincar e desempenho escolar. O instrumento avalia as síndromes reatividade emocional, ansiedade/depressão, queixas somáticas, problemas de atenção, comportamento agressivo e problemas de sono e problemas sociais, problemas de pensamento e violação de regras.

Youth Sell Report (YSR/11-18): faz parte também do sistema de avaliações desenvolvido por Achenbach e Rescorla, é instrumento de autorrelato aplicado em adolescentes. Nesse inventário, os jovens de 11 a 18 anos fornecem informações sobre suas competências e problemas emocionais/comportamentais. É composta por 112 itens, em uma escala Likert de três pontos (sendo 0 para ausência e 3 para ocorrência frequente).

Teather Report Form (TRF): Escala também do grupo ASEBA, tem sido um instrumento amplamente utilizado no mundo para a avaliação de problemas de comportamento, sendo considerado padrão ouro para essas medidas. É composta por 113 itens que versam sobre o comportamento da criança no contexto educacional.

K-Sads/ K-Sads Pl – É um instrumento de entrevista. A entrevista avalia a presença de doenças psiquiátricas, em crianças e adolescentes. Avalia 32 diagnósticos psiquiátricos de acordo com o DSM IV-TR. É administrada à criança ou ao adolescente e aos pais. Para a maioria dos itens, apresenta uma escala de resposta Likert de 3 pontos, que varia entre 0 (“sem informação”) e 3 (“sintomatologia clínica”). Para os restantes, apresenta uma escala de resposta Likert de 2 pontos, que varia entre 0 (“sem informação”) e 2 (“sintomatologia presente”). 

Escala para Avaliação em Adultos

Adult Sell Report Scale (ASRS-18): essa escala foi desenvolvida para adaptar os sintomas listados no DSM-V para o contexto da vida adulta. O presente estudo consistiu em uma adaptação transcultural do instrumento original em inglês para uma versão final para uso corrente no Brasil. Sendo uma ferramenta confiável, efetiva para screening dos sintomas de TDAH.

Adult ADHD Quality oh Life Questionnaire (AAQoL):  é um instrumento desenhado a partir da sistematização de um conjunto de informações na literatura especializada sobre impacto da doença e desfechos clínicos, bem como opinião de especialistas, de modo a avaliar quantitativamente a qualidade de vida de portadores adultos. É composta de 29 itens que são analisados em uma escala do tipo Likert (0 a 5), os quais juntos, compõem quatro fatores de sintomas: produtividade, saúde psicológica, perspectivas de vida e relacionamentos. É comumente aconselhável que se use a AAQoL juntamente com a ASRS-18 para correlação.

Comorbidades

De acordo com Figaro et al. (2009) apud Leal e Nogueira (2012, p. 116), “existe um grande número de comorbidades associadas com os sintomas de TDAH, perfazendo cerca de 65% dos casos“. Segundo Bordini et al. (2010), o Transtorno de oposição e Desafio (TOD) é uma das comorbidades mais comuns (54 a 84%), seguido do transtorno de linguagem ou aprendizado (25 a 35%); contudo também podem estar presentes o transtorno de ansiedade (um terço dos casos), a depressão (33%), o abuso de tabaco ou outras substâncias (15 a 19%) e a mania (16%).

Em adolescentes as comorbidades mais comuns são o TOD ou o transtorno de conduta, enquanto adultos apresentam transtorno de personalidade antissocial e maior prevalência dos transtornos de humor (BORDINI et al., 2010).

Segundo Bordini et al. (2010), alguns sintomas associados ao TDAH podem não ser uma comorbidade como, por exemplo, disforia, labilidade, baixa autoestima, comportamento opositor, uma vez que melhoram com o tratamento.

Os sintomas do TDAH são percebidos já no período no período do pré-escolar. Os déficits executivos afetam a autorregulação do comportamento e a capacidade de planejar, sequenciar e executar ações futuras, comprometendo o processamento das informações mais simples às complexas.

Assim, o índice de comorbidade do TDAH com outros transtornos, principalmente o transtorno específico da aprendizagem é de aproximadamente 10 a 25%, o que deixa em alerta profissionais da educação.

Estudos longitudinais têm mostrado que, entre indivíduos com TDAH, o risco de adquirir um transtorno relacionado a substâncias é apresentado ao longo de diferentes etapas do desenvolvimento evolutivo.

Em adultos as comorbidades mais frequentes são: ansiedade, depressão, stress crônico – Síndrome de Burnout,  problemas de aprendizagem, disfunções de origem comportamental, como baixa autoestima, autossabotagem, perfeccionismo, entre outras.

Tratamento

Certamente, abordarei com detalhes algumas das estratégias de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) que têm se mostrado eficazes para indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH):

 

  • Treinamento de Habilidades de Organização e Planejamento: Esta estratégia envolve ajudar os pacientes a desenvolver sistemas de organização, como o uso de agendas, listas de tarefas e lembretes. Isso pode ajudar a aumentar a capacidade de gerenciar o tempo e reduzir a procrastinação.

 

  • Técnicas de Mindfulness e Atenção Plena: O treinamento em mindfulness ajuda a aumentar a consciência do momento presente e a reduzir a reatividade automática. Isso pode melhorar a capacidade de concentração e diminuir a impulsividade e a hiperatividade.

 

  • Treinamento de Controle de Impulsos: Ensinar técnicas específicas para controlar impulsos, como técnicas de respiração profunda, contagem regressiva antes de agir ou usar afirmações para pausar e refletir antes de tomar decisões.

 

  • Terapia de Solução de Problemas: Esta técnica ajuda os pacientes a identificar problemas de forma mais clara, gerar soluções alternativas, avaliar os prós e contras de cada uma e implementar a solução mais eficaz.

 

  • Reestruturação Cognitiva: Trabalhamos para identificar e desafiar pensamentos automáticos negativos ou crenças limitantes que podem contribuir para a baixa autoestima ou frustração. A reestruturação cognitiva visa substituí-los por pensamentos mais realistas e positivos.

Além da TCC, o tratamento do TDAH pode envolver medicamentos, e os mais usados são os psicoestimulantes, como o metilfenidato (Ritalina), que diminuem a impulsividade e a desatenção, e os antidepressivos, que podem ajudar em casos de comorbidades. Bordini et al. (2010) orienta estimulantes como primeira escolha, especialmente se não houver comorbidade; contudo, quando houver comorbidade com uso de substâncias, ansiedades ou tiques, deve-se medicar com outras medicações direcionadas à comorbidade.

Em tratamento de alta tecnologia, existe a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) surgiu como um complemento promissor no tratamento do TDAH. A EMT é um procedimento não invasivo que utiliza campos magnéticos para estimular áreas específicas do cérebro. No contexto do TDAH, a EMT pode ajudar a reforçar os circuitos cerebrais responsáveis pela atenção e controle de impulsos. Embora ainda seja um campo em desenvolvimento, estudos preliminares sugerem que a EMT, combinada com terapias comportamentais, medicações, além de uma rotina saudável com atividades físicas, alimentação adequada e sono regular, pode oferecer melhorias significativas. 

Em nossa clínica, nós nos dedicamos a criar um plano de tratamento personalizado que respeite a individualidade de cada paciente e promova o seu desenvolvimento integral.

Fonte de informações – coletânea de artigos: Nardi, A. E. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Teoria e Clínica. Porto Alegre. Ed Artmed. 2015.

Dr. Willian Atherton, Diretor Executivo da Clínica Prosense